quarta-feira, 9 de março de 2011

O Voto e a Democracia

O vigésimo primeiro artigo da DUDH representa o direito de viver em uma democracia. É fato que a comunidade global está mais atenta e os movimentos sociais em direção da eliminação de ditaduras e formação de novas democracias pululam no ambiente político internacional atual, mormente no mundo árabe. Mas observe o artigo vigésimo primeiro da DUDH:
"1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.   
2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.   
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto".
Este artigo descreve o direito humano da democracia segundo três aspectos: o direito de fazer parte do governo direta ou indiretamente, o direito de acesso ao serviço público e o voto (sufrágio universal) livre e secreto.
Temos contudo que reconhecer que este direito para ser bem entendido, precisa ser considerado na sua integralidade tríplice:Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo (item 1) se for da vontade do povo pelo voto (item 3) e deve haver serviço público disponível e acessível para executar e garantir este direito (item 2).
Porém analisando o item 2, o termo "acesso" ao serviço público é obtuso no texto do direito. É direito de acesso ao benefício do serviço público ou direito de acesso para tornar-se um servidor público? Muito embora a questão deste direito se relacione com o direito de um ser humano de fazer parte das estruturas de poder e de serviço ao seu povo, não há como eliminar o direito de ser beneficiado pelo resultado desses serviços públicos, não pelo cargo em si. No Brasil me parece que isso causa uma certa confusão. Penso que muitas pessoas buscam o acesso às estruturas de poder e aos cargos de servidores públicos para auferirem direitos sem a necessidade de cumprir deveres, beneficiando a si mesmos antes de produzir algum resultado mensurável ao povo que lhes sustenta e a quem verdadeiramente devem servir.
Na verdade, penso que o acesso ao serviço público deveria ser um direito em separado e tratado de maneira distinta da forma como é relatado na DUDH atualmente. Mais tarde e de forma mais apropriada vou tratar a questão do trabalho no contexto de uma nova estrutura social, política e econômica. E dentro deste novo contexto, inserir o serviço público.
O fato é que todos temos o direito de ter acesso a serviços públicos e ao governo de modo democrático. O que questiono neste caso é quais são os deveres que temos que cumprir para auferir estes direitos. É aqui que a palavra "competência" é chave. O voto livre e direto implica numa solução pela "popularidade", o que, de forma alguma, significa avaliação de competência. Então para ser um candidato ao governo há que se definir critérios de competência para elegibilidade e para acesso ao serviço público, a competência deve ser melhor estabelecida e em muitos casos não seria sequer necessário um concurso do tipo "prova por escrito", mas simplesmente prova prática com análise comportamental. O resultado prático de um período de experiência mediante critérios de benefícios e produtividade reais auferidos ao público que efetivamente é o seu cliente (beneficiário de resultado) e seu sponsor (seu real "patrão" que lhe paga através dos impostos).
Mas para não passar em branco,  há que se avaliar onde e quando o concurso deve ser utilizado como meio de acesso, nenhum trabalhador pode ser estável, muito menos o público, e a qualidade (satisfação do público que é cliente do serviço) deve estar a frente no critério de desempenho e avaliação de competência do processo em si.
E penso que deva existir um serviço público obrigatório, assim como há serviço militar obrigatório. Pense por exemplo, se todos precisamos do recolhimento de lixo e da limpeza urbana, porque este é um trabalho de uma "casta" empobrecida? Por que membros das elites não podem cumprir este serviço social também? E neste caso muitas ocupações operacionais e necessárias seriam preenchidas durante um período limitado (assim como o mandato de um político), mas suficiente para atender a demanda da população. Mas este serviço obrigatório só faz sentido quando as jornadas de trabalho forem de, no máximo, 4 horas diárias e exista a real necessidade deste serviço. Simples assim.
Quanto ao direito de tomar parte no governo temos que estabelecer algum limite. O principal é o limite constitucional consubstanciado em princípios humanos, igualitários, plurais e de bom senso. Assim, administrar um país, estado ou município, ser um legislador, um jurista ou um agente de controle da segurança pública requer um conjunto de competências. Estas competências devem ser estabelecidas e exigentes o suficiente para que somente competentes possam ser elegíveis. Então o limite está vinculado a competência, que é um conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamentos demonstráveis e documentados que sejam coerentes com os requisitos ao cargo que deseja ocupar. É odioso ouvir alguém sugerir que este princípio é tecnocrata. Na verdade em nenhum momento estabeleci o requisito, mas o critério que é fundamental e amplo. Apenas afirmei que deve haver algum requisito. Mas façamos alguns questionamentos simples para compreender a necessidade de requisitos de competência:
-Um legislador pode ser analfabeto funcional? Como ele pode propor um projeto de lei sem compreender o significado do que lê ou escreve?
-Um membro do executivo que seja gestor de um Estado pode não entender de controle escopo, tempo e custo no gerenciamento de projetos? Pode não entender a diferença entre razão, balancete e fluxo de caixa? Pode não ter habilidades de gestão financeira?
-Um membro do judiciário pode não dominar o critério legal para julgar uma situação litigiosa?
-Um agente de segurança pode não ter domínio de artes marciais? Pode não ter estrutura e condição física adequada a sua função?
Muitos tem associado à figura mitológica do ex-presidente Lula o melhor período de sucesso administrativo do executivo brasileiro do último século. Ele mesmo usou repetidamente o bordão "nunca na história deste país..." complementado com algum resultado de auto-projeção. Embora concorde que o período Lulista de governo talvez tenha sido, na média (portanto medíocre) o menos pior, embora os problemas fundamentais da sociedade brasileira não tenham sido resolvidos atrávés de reformas política, tributária, previdenciária e essencialmente pouco foi feito em relação a segurança pública de forma eficaz. Reputo ainda que os resultados no Governo Lula foi dependente das ações de governos anteriores, principalmente no campo econômico, do qual ele colheu os frutos e angariou os louros, reforçando o fator mitológico. De fato, o resultado do Governo Lula nada tem de especial, e pouco se deve a ações competentes de profissionais em gestão publica, mas muito se deve a ocorrência de fatores aleatórios favoráveis e principalmente ao apoio de publicidade maciça. Parabéns a ele que soube atrair politicamente todo o resultado favorável e isolou-se das mazelas do "mensalão" e das explicações sobre participação acionária de familiares em empresas de comunicação, concessão de passaportes diplomáticos para parentes e outros escândalos. Afinal um mito está acima do bem e do mal - um mito está sempre certo e é intocável. Como disse o Obama - Ele é o "cara"! Ou seja - o Mito. E como disse Rubem Alves (livro "Filosofia da Ciência") - "Todo mito é perigoso por que induz o comportamento e inibe o pensamento".
O fato é que o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva sequer teria condições de ser elegível. Mas, antes que algum "lulista" dogmático de plantão me entenda mal e pense que prefira PSDBs, PMDBs ou qualquer outro partido fisiologista seja de oposição ou de apoio ao governo, afirmo peremptoriamente, que depois de Dom Pedro II não houve um único governante minimamente competente no Brasil - absolutamente nenhum.
Por que posso afirmar isso. Pelos resultados. Uma boa equipe de futebol se mede pelos resultados, não pelo nome do técnico. O Brasil já devia ter superado a qualidade de vida de qualquer país do mundo ainda no início do século XX, bastando apenas que houvesse competência na administração e leis simples e aplicáveis baseada em direitos e deveres humanos. Na história do Brasil, o único administrador público preparado para exercer a função de governante foi Dom Pedro II. Depois dele, nenhum.
A única vantagem da Monarquia é que nesta mantemos apenas uma família rica. Na nossa democracia atual enriquecemos cada novo governante e seus "companheiros". No período da ditadura militar (que foi perniciosa principalmente pela violência, censura e tortura) tinhamos funcionários públicos militares no governo que aparentemente tinham mais interesse público (embora equivocado) que privado. Ápós a abertura e redemocratização, privatizamos os políticos governantes mais do que as empresas públicas. Ou seja nossos governantes democráticos aparentemente tem mais interesse privado do que público. E os resultados da vida brasileira mostram isso em cada cidade, em cada ponto da nação.
Voltando ao assunto da democracia, portanto, na base está o voto livre, secreto e consciente.
No Brasil o voto não é livre, mas obrigatório. Erro que afronta o direito humano de se reconhecer incompetente para votar. Também não há possibilidade de votar em nenhum candidato (que é diferente de "branco" ou "nulo"). Isso mesmo. Assim como podemos votar em candidatos para nos representar, também deveríamos ter o direito de votar que nenhum nos representa. Assim poderíamos expressar justamente a vontade do povo. A nossa democracia atual não tem condições de demonstrar verdadeiramente a vontade livre, secreta e consciente de nosso povo. Portanto, sinto muito, mas afirmo peremptoriamente que no Brasil não há um verdadeira democracia de acordo com o que preconiza a DUDH.
Adicionalmente temos o voto digital. O voto digital dificilmente é secreto - hoje no Brasil, o mesário digita um número associado a minha pessoa de eleitor e libera a urna eletrônica para o meu voto. Então eu voto. É muito fácil saber quem vota em quem por meio digital.
E o voto deve ser consciente, portanto algumas condições deveriam ser estabelecidas:
1.Não poderia haver propaganda política em canais privados de TV ou rádio. Deveria haver um único canal publico (na TV e no Rádio) onde todas as ideologias, com um tempo igualitariamente dividido, independentemente da participação atual, seriam representados. Somente os conscientes fariam seu acesso democrático para obter as informações que desejassem.
2.Todos os projetos de lei e todos os planos de governo de candidatos seriam disponibilizados para download e somente quem tem condições de ler e entender poderia estar apto a votar. Ou é concebível votar em quem não diz o que vai fazer com o nosso dinheiro?
3.Com toda essa publicidade gratuita, precisaria doações de campanha? É claro que não. Doação de qualquer natureza para políticos ou partidos, em dinheiro, serviço, material ou espiritual (seja o que for...) é imoral, inaceitável, anti-democrática, irresponsável e sobretudo estúpida. Pois se alguém quiser saber o que um político vai fazer, ele que o expresse de forma explícita, completa, objetiva e documentada. Assim, basta acessar tais documentos, entendê-los e concordar ou não. Depois é só votar. Simples assim.
Voto só é consciente quando sabemos pormenorizadamente o que o político se propõe a fazer. E depende de quem for votar buscar tal conhecimento. E quem não tem condições de entender isso, não pode votar.
E se o político não cumprir exatamente e no prazo planejado o que prometeu fazer? Perde sumariamente o mandato. Não precisa nem processo jurídico. É só avaliar o resultado. Cumpriu: fica, pois cumpriu a vontade do povo consciente. Não cumpriu: Cai fora! Mais simples impossível. Por isso o quarto poder é fundamental: A segurança. A segurança de que não teremos governantes mentirosos e caloteiros. Quem promete e não cumpre, como dizia o Frei Fausto Bernardi, é caloteiro!
Caso contrário, caímos na ditadura da ignorância, que é o que vivemos, travestido de democracia. Ainda assim, melhor que uma ditadura, mas muito longe de ser um sistema justo e humano.
Então, por enquanto, fique claro que uma ditadura não serve. Ponto final. Uma democracia se faz com voto livre, secreto e consciente. E um país se faz com servidores competentes por que produzem resultados benéficos para o povo na hora que o povo precisa, sem demora indevida e oriundos da aplicação correta, adequada, eficiente e eficaz do impostos. Simples assim, mas pleno de bom senso.