quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Uma História de Pai - Desejos

"Um dia você vai servir a alguém." (Vitor Ramil)

Minha filha tem 13 anos. É uma menina linda e com todos os componentes típicos do momento de vida. Ansiedade, dúvidas, medos, paixões, oscilações, vontades, desejos, mudanças biológicas, hormonais e instabilidades emocionais. E encontra-se, como a maioria das meninas de sua idade, verdadeiramente apaixonada por seu ídolo Justin Bieber.
Ainda no início deste ano havia prometido a minha filha que se o Justin Bieber viesse ao Brasil, eu a levaria ao show. Seria a sua primeira experiência neste aspecto e, como pai, desejava assumir esta responsabilidade em proporcionar este desejo. E é sobre a realização de desejos que me permito conversar com você, pois sinceramente não tenho certeza se há uma forma, um limite, uma maneira correta de realizar desejos de um filho. E por que fazemos isso?
Eu tive de meus pais e irmãos (sou o filho mais novo da família) carinho, afeto, respeito, educação e estímulo. Confesso que nos momentos mais difíceis da minha vida, foi minha mãe a única a me estender uma mão financeira, do que não me orgulho. Meu Pai era um motorista de táxi empregado, ou seja, não era dono do táxi e portanto tinha uma renda menor que mínima que mal sustentava o fumo. O braço financeiro da casa sempre foi o de minha mãe. E ela realizou desejos para mim que excederam a capacidade financeira dela. Por exemplo ela me oportunizou fazer o ensino médio em uma escola particular e só Deus sabe o que ela passou para pagar o meu colégio sendo uma humilde e honesta costureira empregada do famoso atelier de Dona Mary Steigleder (que fez o vestido de casamento da Sandra Bréa com o Arthur Guarisse na década de 80).
Confesso que, mais tarde, pude presentear meus pais com a graduação e o mestrado em Química, sendo o único de minha família com um curso superior. Hoje sei que aos olhos de meus pais foi uma vitória e uma devolução pequena ao que me proporcionaram. Porém nunca me dei o direito de ter desejos comuns aos jovens de minha época como de ir a shows musicais, cinema, teatro, festas e badalações na juventude. Meu foco era me formar, arrumar um bom emprego, comprar um carro e um apartamento e, assim, aliviar a carga que impunha principalmente a minha mãe. Porém essa percepção tive apenas depois de muitos anos, pois quando jovens olhamos o mundo de um ponto de vista “umbigal”, centrado em nós mesmos.
Mas desde a mais tenra idade, meus desejos mais concretos foram sempre de independência, o que chamava a atenção de muitas pessoas. Algumas pessoas me viam como um ser estranho e orgulhoso desde criança. Certa vez a Dona Mary Steigleder, uma senhora requintada, elegante, de voz firme e terna, que me conhecia desde bebê me ofereceu delicadamente um dinheiro (algo como R$ 10,00) como um “mimo” em um dia quando fui junto com meu pai buscar minha mãe após o trabalho no atelier que ficava na Avenida Independência, a frente do Teatro Leopoldina, depois batizado de Teatro da OSPA e que agora está desativado. Eu respondi à Dona Mary que não queria o dinheiro, nem precisava dele. Era minha mãe que trabalhava para ela. E à minha mãe o dinheiro era devido. Eu tinha 10 anos de idade e Dona Mary voltou seus olhos para minha mãe e disse “nossa, como ele é orgulhoso, não é”? Eu queria algo que resolvesse a minha vida. Nunca aceitei soluções paliativas ou pequenos prazeres simplesmente por que eram “de graça”. Eu queria ser independente. Mas minha mãe ficou chateada com meu comportamento.
Com o tempo devido, conquistei alguma independência e pude ter acesso a algumas coisas que me permitiram namorar, casar e trabalhar melhor, afinal a era da informação estava “bombando”.
O primeiro show que pude ir ocorreu na década 90 quando pude pagar com meu próprio salário e, se não me engano, era do Oswaldo Montenegro. Foi no então Teatro da OSPA.
Então o futuro chegou e me tornei pai. E busquei de todas as formas tornar a infância de minha filha feliz, provendo a ela muitas coisas que não tive.
Há meses atrás houve o anúncio oficial de que teríamos em Porto Alegre o show da Turnê Mundial do Justin Bieber no dia 10 de outubro de 2011. E tinha que cumprir o prometido.
A venda de ingressos pela internet iniciou às 00:00 do dia 1 de setembro de 2011. E lá estava eu em frente ao meu computador. Ciente de que era a primeira experiência de minha filha em shows e um sonho para ela, compramos o “Gramado Premium”, o ingresso em frente ao palco, o mais caro.
Iniciou-se o segundo dilema. Ela desejava acampar na fila para entrada no estádio a fim de garantir um lugar próximo ao artista e negociamos o mês todo. A minha preocupação residia na falta de percepção de minha filha sobre em que condições de saúde ela estaria para assistir o show, visto que ficaríamos horas em filas, expostos às intempéries (não sei o que seria pior, chuva ou sol escaldante), com alimentos inadequados. Enfim chegamos ao consenso de que iríamos na madrugada do dia do show apesar da sua contrariedade.
Então chegou a véspera do show. Era um domingo e o show caiu numa segunda-feira. Havia acertado com os meus patrões que a minha falta seria substituída por um outro dia de trabalho. Minha filha começou a agitar-se e por telefone falou com amigas que já estavam acampadas no local. Então ela se volta para mim, avisa que não iria dormir e que queria ir para junto de suas amigas. Eu estabeleci o limite, embora absurdo e acima de minha condições físicas, acordaríamos as 4:30 e por voltas das 5:00 lá estaríamos, pois o sono iria fazer bem a ela. Ela foi para a cama soluçando e disse para mim “obrigado pela pior noite de minha vida”! Suas palavras foram uma flechada no meu coração, mas sabia que estava fazendo o certo. Dormi triste.
Acordei às 4:30, minha filha saiu da cama logo depois, fizemos um breakfast com achocolatado e iogurte, fiz uma mochila com roupas (para eventual substituição) e partimos. Não desejava usar o carro pela confusão natural de trânsito nestes eventos. Fomos de metrô até o centro de Porto Alegre e de lá pegamos um taxi até o estádio Beira Rio. Era 5:30 quando chegamos e nos posicionamos no fim de uma fila enorme entre barracas e acampamentos. Acredito que havia de 500 a 1000 pessoas lá. Mas logo atrás de nós, em minutos, chegaram mais umas centenas de pessoas. Estávamos a 14h do inicio do show do Justin Bieber.
Em poucos minutos começa uma correria. O pessoal acampado a mais de uma semana tinha uma lista em torno de 150 a 200 pessoas que estavam a frente na ordem de entrada. A ordem das demais não havia registro. Então as pessoas que chegavam se amontoavam a frente do portão do estádio que ficava a um 300 m do início do acampamento. Confusão na certa. A fila que estávamos se desfez. Todos correram para a porta do estádio. Amontoou-se gente por tudo quanto é canto. Pais e crianças estressadas. Gritos e uma desorganização total. Estava amanhecendo por volta das 6:00 e o dia clareava.
Tivemos que nos reposicionar, a força policial da nossa valorosa Brigada Militar conseguiu colocar ordem e assegurar o posicionamento preferencial aos aproximadamente 200 acampantes listados. Os demais se posicionaram atrás como puderam. Assim fizemos. Então fitas de isolamento foram colocadas para organizar a fila que já era quase quilométrica. Era 7:00 e o sol já batia com vigor em nossas cabeças. Peguei dois bonés da mochila e colocamos. Eu havia previsto este transtorno, pensando que minha filha poderia ter impacto sobre sua saúde se ficasse no sol o dia inteiro. Faltavam 13h para o início do show. Desta forma conseguimos avançar nosso posicionamento original, não por esperteza ou deseducação, mas por que era a condição do momento.
Neste momento outro problema se iniciava, em algumas horas começaria o acesso das pessoas aos portões de entrada ao estádio dependendo do tipo de ingresso. Os portões de entrada somente abririam às 15:00. Então saí da fila deixando minha filha com amigas e fui buscar algo para comermos. Vários quarteirões de distância encontrei um supermercado. Comprei duas sombrinhas (guarda-chuvas), salgadinhos, água, refrigerante e duas banquetas de camping. Recebo uma ligação de minha filha que a fila começara a andar. Peguei um táxi e retornei à fila. Minha filha estava sem fome, bebemos água e refrigerante e usando as banquetas foi possível sentar um pouco à sombra dos guarda-chuvas.
Ás 10:22 nos posicionamos em frente aos portões 4 e 5 em nosso lugar na fila, ao sol. E lá ficamos até às 15:00. Minha filha não quis comer muita coisa, embora tenha oferecido várias vezes. Abriram-se os portões e tive que deixar as banquetas e os alimentos da mochila na entrada. As meninas corriam para se posicionar em frente ao palco. Começa uma aglomeração pois todas desejavam estar bem na frente do palco, mas não havia primeira fila para todas. Para se ter uma ideia, o "Gramado Premium" lotou com todas as pessoas ocupando somente a metade do espaço em frente ao palco, notadamente um aperto descomunal.

O sol estava mais intenso e assim ficou até as 18:00. Durante este período dezenas de meninas passaram mal. Estava previsto: sem dormir, sem comer, emocionalmente sensíveis, um calor insuportável, aquele aperto e sem poder sentar-se. A preocupação com minha filha aumentara. Mas ela estava bem. Aliás, a aglomeração era tanta que nem podíamos mexer os pés. Qualquer movimento podia nos fazer cair. Então minha filha se vira para mim e fala comigo as seguintes palavras: “Estou com fome”!

Nem os vendedores ambulantes chegavam aonde estávamos. Consegui um único alimento: um picolé de chocolate. Rezei para que este sustento lhe fosse suficiente. O resto foram copos de água de 200ml ao valor de R$ 4,00 (equivalente a U$ 2,50). Foram ao todo uns vinte e cinco copos de água só do meu bolso, compartilhados entre todas as pessoas que estavam próximas. Continuávamos em pé com sol a pleno, até o momento que fez alguma sombra no palco. Iria começar os shows de abertura por voltas das 18:45, com certo atraso. Os meus pés e pernas estavam queimando. Minha hérnia de disco lombar não se acusou e dei graças a Deus. Pensei diversas vezes em me afastar da multidão e sentar no chão, mas preocupado com minha filha e sua condição, fiquei por perto para observá-la.
Precisava,  de alguma forma, desviar o pensamento de minhas dores e do tempo que faltaria até o final do evento. Pois muito antes de começar eu já estava em frangalhos. Comecei a “twittar” sobre o que estava passando e a fazer comentários sobre a situação que passamos e os shows. Primeiro do Fat Duo, depois de Starship Cobra e, a seguir, com a introdução de um rapper, aconteceu, para o delírio de todas as meninas, a presença do Justin Bieber.

Eu tenho 1,88m de altura e a maioria das pessoas presentes não passava de 1,60m. Não preciso nem dizer o quanto eu importunei as meninas que infelizmente se posicionaram atrás de mim. A mochila que eu trazia, a qual foi muito útil nos momentos mais terríveis de espera, importunou quem estivesse a minha frente ou às minhas costas. Mas lembro de já haver comentado neste blog sobre como as pessoas, principalmente políticos se comportam sem empatia, pautadas somente no interesse próprio. Várias mães e meninas me batiam às costas e pediam para ficar a minha frente (como se houvesse espaço além do meu, próximo a minha filha). Então delicadamente eu explicava que não podia fazê-lo por que não tinha culpa de ter a altura que tinha e que não estava vendo naquele momento ninguém mais alto do que eu, de forma que se aplicasse o critério de ceder meu lugar em função da minha altura eu iria parar fora do estádio. Uma outra mãe querendo dar uma de “João Sem Braço” me cutucou muito e quando olhei para trás ela apontou para a filha e disse “ela está passando mal, deixe-a passar”, tentando novamente me convencer pela emoção para passá-la para a frente. Eu respondi que se ela estivesse passando mal deveria dirigir-se até os paramédicos mas que era importante a companhia de sua mãe. Respondi então “onde está a mãe dela”? Aquela senhora ficou em silêncio.
 Tirando as baquetadas (bastões coloridos e luminosos usados pela platéia no show) na minha cabeça, as incomodações de quem ficava atrás de mim, a dor insuportável nos pés e pernas, a fome, a sede, os gritos histéricos, tudo estava indo bem, principalmente com minha filha. Note que desde que entramos no estádio às 15:00, ficamos até o momento do show do Justin Bieber exatas 5h em pé, sem outra opção.
Segui “twittando” e fazendo comentários ácidos ao show do Justin Bieber, que vulgarmente e para facilitar a digitação no smartphone, referia como “Biba” em alusão a pronuncia que o rapper utilizava. O fato, musicalmente falando, que os profissionais do show como vocalistas (um quarteto de origem oriental excepcional nos vocais), street dancers, DJ e instrumentistas foram magníficos. Muito acima da performance mediana do astro principal, que abusou dos vocalizes, do playback e do apoio instrumental.
 Não se mostrou grande dançarino, e mesmo na bateria, violão ou piano mostrou que é, por enquanto, um instrumentista mediano, mas com imenso potencial. Sua voz infanto-adolescente é excessivamente aguda e mesmo não desafinando gritantemente, certamente o apoio do playback ajudou, embora tenha soado falso. A roupa que usava tinha um rabo (como se fosse um rabo de cavalo) com fios luminosos no bolso traseiro que estava estranho como se tivesse um busca-pé aceso no glúteo. Abusou de caras e bocas e, graças sua fotogenia, garantiu o delírio de todas as fãs presentes. Com tudo isso fui me distraindo no twitter, superando todas dores e desconfortos e observando minha filha, que chorou copiosamente durante todo o espetáculo.

O choro de minha filha me desconcertou. Não sabia se era de prazer ou de dor. Se estava chateada ou em delírio de fã. Mas não quis interferir. Ela estava passando bem e vivendo o momento que ela desejou com todos os seus requisitos atendidos, ou pelo menos quase todos.
Com 1h e 45min de show estava tudo acabado. Saímos do estádio por volta das 10:00 em frangalhos. Pegamos um táxi e fomos para a casa de minha mãe onde minha esposa havia deixado o carro sob minha orientação. Eu havia previsto a melhor logística de saída. Antes da meia noite da segunda feira estávamos todos em casa.
Tomei um banho e até uma massagem nos pés me foi concedida pela minha esposa e companheira. Não sabia o que estava sentido se é que sentia alguma coisa. Cheguei a pensar que a eutanásia é justa em alguns casos... e finalmente adormeci.
No outro dia, no trabalho, acessei o twitter e vi a seguinte postagem de minha filha em letras maiúsculas: “FOI O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA”! Era como se tudo que eu passei tivesse valido a pena. Tudo mesmo, não só naquele dia fatídico, mas toda a minha vida fazia algum sentido.
Então eu escrevi a seguinte e estranha frase no twitter: “Não poupe seus pais dos seus desejos pois só assim eles poderão permitir que você os faça felizes”.
O único modo de realizar nossos desejos é expressando-os. Passei minha vida inteira engolindo meus desejos por que não via a possibilidade de realizá-los. Aprendi a elaborar frustrações muito cedo na vida por que como não me permitia o desejo, a frustração era certa.
Sei que não terei condições físicas e financeiras de realizar todos os desejos de minha filha, mas a realização de algum deles permitirá a felicidade dela. E “quem beija meus filhos, minha boca adoça”, dizia a Dona Matilde. Me arrependi das críticas ao ídolo de minha filha. Não do conteúdo, mas do momento em que as fiz, pois não precisava que ela soubesse o que penso com a minha razão. Acabei postando que "se ela estava feliz, minha opinião pouco importa ou tem nenhum valor". Aprendemos juntos que a felicidade é sempre uma referência para o valor das coisas. E a felicidade de um filho, mesmo que este não compreenda ou reconheça o esforço que fazemos, nos é definitiva em termos de realização pessoal. Meu amigo Rodrigo Grecco mandou-me a seguinte frase da música de Vitor Ramil: "Um dia você vai servir a alguém". É isso mesmo.
O fato é que precisamos de sonhos e desejos. Eles são de fato a força motora da vida. A não realização não é frustrante por que a vida da gente não muda pelo que não acontece. Mas a expressão de nossos desejos é, sem dúvida, o primeiro meio para facilitar a conspiração do Universo a nosso favor pela força da atração. E se tivermos alguma chance de realizá-los, essa possibilidade se traduzirá em fato, conquista, realização e, portanto, felicidade. 
Por isso comecei o Manifesto Bonsensista, a fim de expressar o desejo de uma sociedade humana, igualitária, justa e feliz para todos, principalmente para os nossos filhos. Simples assim, mas pleno de bom senso.

Video: Vitor Ramil e Lenine -  Um dia você vai servir a alguem

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Obrigado Steve Jobs - Você tem que encontrar o que você ama


Discurso de Steve Jobs (1955-2011) aos formandos de Stanford:
"Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.
A primeira história é sobre ligar os pontos.
Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais 18 meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei? Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina.
Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.”
Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade. E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de seis meses, eu não podia ver valor naquilo.
Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu, gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria ok.
Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz. No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes. Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos. Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo.
Muito do que descobri naquela época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço. Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país. Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.
Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse.
Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.
De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.
Minha segunda história é sobre amor e perda.
Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação — o Macintosh — e eu tinha 30 anos.
E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses.
Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício].
Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo. Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa.
A Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple.
E Lorene e eu temos uma família maravilhosa. Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple.
Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama.
Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.
Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.
Minha terceira história é sobre morte.
Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último.” Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.
Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo — expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar — caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração.
Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.
Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas.
Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de três a seis semanas. Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas — que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus.
Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos. Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem.
Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá.
Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.
O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém.
Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas.
Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior.
E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário.
Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid.
Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes de o Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições de Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês.
Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras:
“Continue sedento, continue ingênuo.”
Foi a mensagem de despedida deles. Continue sedento. Continue ingênuo. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês. Continuem sedentos. Continuem ingênuos.
Obrigado."
 
Simples assim. Mas pleno, recheado, lavado e enxaguado nas lágrimas do bom senso.
Obrigado Steve Jobs, por criar uma geração mais livre para pensar, comunicar, criar e se expressar. Você permitiu pelo menos um Direito Humano aos humanos. Vai fazer muita falta... muita falta.