terça-feira, 14 de junho de 2011

Educação e Instrução - Direito de Aprender

Interessante perceber como está escrito o vigésimo sexto artigo da DUDH que trata do direito à instrução e como não usa a palavra "educação". Esta é uma distinção importante para o que nos promomos em termos de premissas para uma sociedade nova, com base no bom senso e no exercício pleno dos direitos humanos na medida que cumprimos os deveres humanos. Vejamos o texto do referido artigo que possui três tópicos:
"1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.   
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.   
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos."
Primeiramente vamos propor uma distinção conceitual entre educação e instrução segundo o Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 6.1.
  • Educação é um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.
  • Instrução relaciona-se com conhecimentos adquiridos; cultura, saber, erudição.
Então a educação é um processo em que o ser humano se insere e ocorre ao longo de toda a sua vida. A instrução é apenas uma parte ou componente deste processo. O artigo da DUDH que estamos discutindo neste momento se concentra na instrução. E no conceito de instrução não se inclui, por exemplo, o aspecto moral, explícito no conceito de educação. 
Vamos, por enquanto, nos concentrar no direito a instrução, o qual está diretamente relacionado com o modelo escolar de cada país. Por absoluta ignorância em relação a outros modelos, vou discutir o modelo brasileiro.
Hoje, para uma vida numa base comum, pai e mãe devem trabalhar. Após o nascimento do filho e passado o período de licença maternidade, os pais devem ter um lugar para deixar seus filhos enquanto trabalham, em casa de parentes, em creches ou "escolinhas" ou sob os cuidados de uma pessoa de sua confiança. A atividade de instrução formal funtamental começa idealmente por volta dos 6 anos de idade e dura  9 anos. Depois inicia a fase do ensino médio com a duração de três anos. Há também escolas técnicas (ensino profissionalizante) de nível médio. Depois, inicia a luta para ingressar em uma universidade, faculdade ou institutos tecnológicos através de processos de seleção. Os mais difíceis, em geral, são para ingressos em universidades federais ou estaduais onde o ensino superior é "gratuito" (não é grátis, mas pago e financiado pelos impostos). Faculdades e universidades particulares possuem processos de seleção menos rigorosos em geral. Assim, por uma necessidade de mercado surgiram cursos de preparação para vestibulares, vulgarmente chamados de "cursinhos" ou "pré-vestibulares". 
Agora voltemos nossa atenção para o texto do primeiro tópico do artigo XXVI da DUDH. A instrução elementar e fundamental é obrigatória. O acesso aos cursos técnico-profissionais é um direito de todos, mas a universidade só por mérito. É exatamente assim que o nosso modelo de educação está planejado. E simplesmente não funciona.
Veja que é a primeira vez que me oponho a um texto da DUDH, pois a meritocracia de acesso à Universidade é preconceituosa, injusta e desumana, contrariando em gênero, número e grau a intenção primária desta declaração universal. Não é mérito, pois qualquer um merece um curso superior. Mas competência para exercer a profissão é outra coisa. O texto da DUDH foi concebido em 1948  por pessoas muito anteriores a era da informação e sequer concebiam um modelo de instrução e aprendizado que pudesse exceder os limites de uma escola ou universidade. A internet não fazia parte dos seus contextos e portanto não haveria como prever a dimensão de suas consequências. Há que se rever toda essa lógica e o papel do estado neste aspecto precisa ser totalmente revisto. 
O fato é que a qualidade da instrução no Brasil é, na média, muito ruim, quando comparada com países mais desenvolvidos. Eu pude constatar crianças pré-escolares assistindo aula sobre o Antigo Egito em pleno Museu do Louvre em Paris. Entendo que algumas condições não podem ser reproduzidas no Brasil, mas há que se encontrar meios alternativos. Daí a necessidade de criatividade e inovação por parte dos professores. E chamo de professores pois me oponho a oferecer uma responsabilidade maior do que seja adequada caso os consideremos "educadores". Também tenho verdadeira ojeriza ao termo "trabalhadores em educação" que nada mais é do que uma redundância que se propagou para diversas atividades. O termo "trabalhadores em" alguma coisa foi consagrado ideologicamente por parte de muitos líderes de sindicatos e políticos a fim de aproximar pessoas que exercessem qualquer atividade ao Partido dos Trabalhadores, vulgo PT e outros que buscaram o mesmo alinhamento.  Então prostitutas viraram trabalhadoras em serviços sexuais, flanelinhas são trabalhadores em estacionamentos públicos, bicheiros são trabalhadores em serviços de jogos populares, pichadores são trabalhadores em arte urbana, cambistas são trabalhadores em tiquetes de eventos, fora os trabalhadores de verdade. Uma prática de propaganda política inteligente, tenho que reconhecer, mas que não compartilho pela falta de explicitação clara da motivação real da alteração do nome, mas velada, subliminar e inescrupulosa. Eu simplesmente não consigo confiar em político que age de maneira subliminar, sem apresentar com clareza e firmeza suas idéias de forma que agradem ou desagradem a quem quer que seja, pois a sinceridade dos seus atos deveriam ser coerentes com o seu discurso. Hoje em dia, a América Latina passa por uma onda esquerdizante e bolivariana em discursos a fim de obter o poder. No entanto, após a aquisição deste, a prática governamental tem se destacado por dois tipos de iniciativa, ditatorial no sentido de reduzir a atuação da imprensa livre e aumentando a censura, ou práticas verdadeiramente neo-liberais reduzindo o poder do estado e aumentando a influência de interesses de grupos privados. Diz-se popularmente que no Brasil os governos atuais são como violinistas que seguram com a esquerda mas tocam com a direita. Basta ver o tempo inútil de discussão entre PT e PMDB na divisão do poder no Brasil de hoje. Enquanto isso o Brasil segue seu destino a deriva e sem uma visão de longo prazo (maior que 50 anos). O planejamento de um governo no Brasil é feito para no máximo três anos, visto que gasta quase um ano para fazer o planejamento depois da eleição, gastando o dinheiro público no que deveria ter feito antes da eleição. Nos últimos 20 anos nada se fez que melhorasse verdadeiramente a condição de instrução do povo brasileiro. Como posso afirmar isso, se muito dinheiro foi investido nessa área? Por que os problemas continuam os mesmos: qualificação, plano de carreira e salário deficiente de professores, condições inadequadas de ensino-aprendizagem, merenda escolar deteriorada, escolas com manutenção precária, violência, drogas, conteúdos insuficientes e desatualizados, livros didáticos errados e outros fatores desastrosos para a formação ética, moral e instrucional de nossos cidadãos. Ou seja, se houve dinheiro investido, este dinheiro verdadeiramente foi jogado fora.
Mas vamos focar na instrução. Todos temos acesso a informação e a instrução. Basta primeiramente querer aprender. Os pais podem escolher o gênero de instrução a ser dada a seus filhos, visto que esta vai influenciar seus valores éticos e morais. Mas não deveria ser dada a chance de escolher nenhum tipo de instrução. Então o Estado deve assegurar que todos tenham alguma instrução. E instrução de qualidade em todos os níveis. Nos ensinos fundamental e médio deveriam constar dois conteúdos básicos, além dos já consagrados:
  1. Legislação: não pode se formar um cidadão para cumprir a lei sem que este conheça profundamente a legislação. Alías no Brasil há uma lei para afirmar que o desconhecimento da lei não pode ser usado como justificativa para o não cumprimento desta. Pois que se promova obrigatoriamente o conhecimento da lei. No ensino médio, no mínimo, todo cidadão deveria ter o conhecimento de um bacharel em direito.
  2. Financeiro: não se pode formar um cidadão sem que este saiba como gerenciar de forma profícua suas finanças. Deve saber fazer cálculos, planos de negócio, dominar diversos tipos de investimento, métodos de aplicação em bolsa de valores e mercados futuros. 
Assim como já concluímos quando abordamos o artigo anterior, ao utilizarmos a expressão do velho Waldemar que "cachorro com dois donos morre de fome", a instrução no Brasil padece do mesmo mal. Temos escolas, institutos tecnológicos, faculdades e universidades municipais, estaduais, federais e particulares. E o sistema não funciona em todos os casos no país. O que fazer?
Temos que reconhecer que se gasta demais no processo e pouco no fim, que é o aluno. Via de regra, apesar de poucos casos públicos com relativo sucesso, as escolas particulares vem provendo uma instrução mais eficaz.
Só para que se entenda o que quero dizer, vamos usar o caso de um instituto tecnológico. O MIT-Massachusetts Institute of Technology nos Estados Unidos (visite http://mit.edu/ e tente não chorar de inveja), com sua produção tecnológica movimenta um mercado bilionário de investimentos em novos negócios e patentes, justificando cada centavo público aplicado e demostrando o retorno do investimento público em impostos pelas empresas dos alunos egressos. Pergunto, quantas patentes foram registradas por Institutos Tecnológicos no Brasil e quantas resultaram em alguma empresa lucrativa e, destas, quanto retornou de impostos como resultado do investimento público?
Você acha que a experiência do MIT é muito recente? Ele só tem 150 anos. De fato o Brasil não teve tempo hábil de aprender com esse tipo de experiência não é? É duro admitir a própria incompetência. Somos literalmente incompetentes em instrução ao nosso povo. Simples assim. E só quando admitirmos isso teremos alguma chance de fazer um planejamento de longo prazo para a nação e torná-lo uma realidade.
Uma outra questão deve ser considerada quando falamos de instrução. Há a liberdade individual. Quem aprende é o aprendiz - é no aluno que o aprendizado ocorre. Tudo que for externo ao aluno são estímulos, mas é no íntimo intrínseco ao aluno que se dá o aprendizado. Infelizmente a ignorância é uma escolha e a sociedade deve ter mecanismos de proteção à ignorância. Não há cidadania na ignorância. Portanto não pode haver direitos de cidadão para ignorantes. Pois, em síntese, quando temos meios viáveis de aprender disponiveis, a ignorância é uma escolha do indivíduo (há quem pense que não é uma escolha devido a condicionantes sócio-econômico-políticos, mas do ponto de vista prático não há como negar que em última instancia ainda é uma escolha pessoal). Se a vida lhe ensinar o peso nefasto da ignorância, em qualquer momento você pode mudar esta situação e recuperar sua dignidade instrucional.
No Brasil temos políticas de inclusão equivocadas. Então oferecemos direitos para analfabetos funcionais como exercer cargos legislativos ou votar, em vez de oferecermos direitos mediante cumprimento de deveres. Ou seja, eu posso votar ou me candidatar a um cargo legislativo se demonstrar que não sou analfabeto funcional. Eu mesmo não tenho o domínio preciso da língua portuguesa e de antemão peço desculpas por eventuais erros. Espero que estas falhas não prejudiquem o que desejo comunicar. Mas aliviar o critério de instrução para facilitar a inclusão na cidadania é nefasto e mais, é excludente, por que as consequências práticas de tais descritérios são de atraso e valorização da ignorância, preservando a incompetência que gera exclusão.
Resumindo, aqui, ao tratarmos do vigésimo sexto artigo da DUDH, não podemos mais nos referir a direito de instrução, mas "Direito de Aprender". Às pessoas devem ser concedidos os meios e estímulos para o aprendizado. Sendo o dever do cidadão, em contrapartida, lutar contra a sua própria ignorância. Na sua infância, esta orientação fica a cargo e responsabilidade dos pais. Ao assumir a responsabilidade civil, que entendo deva ser estabelecida a partir dos 12 anos, a responsabilidade passa a ser do próprio indivíduo, quando o ser humano reconhece valores morais, de conduta ética e de importância do estudo para sua vida, mantendo-se os estímulos e orientações familiares e sociais.
Por que essa distinção? Por que a um ser humano o aprendizado deve ser disponibilizado e facilitado. E as escolas e universidades já não representam os únicos meios de prover este aprendizado. Formalizar e obrigar a aprovação escolar já é algo extemporâneo. 
Qual é a chave para o novo modelo de aprendizado a ser proposto? Já afirmei que tudo que a humanidade precisa pra ser feliz já foi inventado. Basta permitir que se usufrua disto. Bem, a experiência do exame da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil é a chave. Para que uma profissão formalmente estabelecida seja exercida por alguém, o conselho regulador desta profissão deve assegurar quem pode ou não exercer tal profissão. Como no Brasil os cursos de direito se propagaram de tal maneira que a OAB passou a questionar a qualidade dos profissionais egressos. Portanto somente quem passa num exame feito pela OAB pode ser "Advogado". Simples assim, mas é um baita exemplo de bom senso. A responsabilidade (o dever) de dizer que alguém é um profissional que pode exercer tal profissão é do conselho desta profissão. O exame é absolutamente justo. 
Então quais as consequencias deste modelo? É que todas as provas feitas ao longo da vida pelo pretenso advogado, seja no ensino fundamental, médio ou superior não tem validade nenhuma para o exercício da profissão de advogado. A única prova que assegura o direito de exercer a profissão é o exame da OAB. Então basta essa. Então não há necessidade nenhuma de provas anteriores. Então não há obrigatoriedade nenhuma de demonstrar que foi aprovado no ensino fundamental, médio, superior ou qualquer outro. Portanto não faz diferença o modo como foi aprendida a profissão. Importa que o conselho profissional afirme, segundo seus critérios, que alguém está apto a exercer uma profissão.
Entendeu? Importa o aprendizado e não a escola e o professor. Importa o resultado e não o método, por que o jeito que eu aprendo não é igual ao seu jeito de aprender. Importa que o aprendiz aprendeu e não em qual banco sentou. Importa o que realmente importa. Importa o que realmente funciona -  a competência.
Hoje, somente tem sucesso instrucional quem tem facilidade de aprender pelo método institucionalizado e aceito que é o escolar. E isto é humanamente injusto e desigual.
Então eu sou contra as escolas? Não, jamais. Sou contrário a afirmar que alguem aprendeu algo por que passou pela escola. Sou a favor de dizer que alguém aprendeu algo quando demonstra este aprendizado.
Ou ninguém nunca leu "as pérolas do ENEM"? Temos no Brasil pessoas formadas em faculdades que não conseguem escrever um parágrafo de um e-mail sem erro grotesco.
Se os cursos pré-vestibulares são mais eficazes em preparar as pessoas para ingresso em universidades, por que somos obrigados a fazer o ensino médio? Na verdade, os pré-vestibulares existem pela incompetência em ensinar das escolas, onde se gastam fortunas com resultados pífios.
Acredito que a maturidade estrutural física e emocional do ser humano também deva ser considerada para o exercício pleno de uma profissão ou conclusão de uma etapa instrucional. 
Então para o avanço instrucional de alguém temos que considerar os seguintes fatores:
  • Desenvolvimento físico
  • Desenvolvimento emocional
  • Desenvolvimento cognitivo
  • Desenvolvimento de habilidade na técnica necessária
 Enfim, ficamos com as seguintes condições:
  1. O sistema de aprendizado de um país deveria estimular as pessoas a lutar contra a ignorância em todas as suas formas. As escolas e universidades seriam uma forma de aprendizado, assim com a internet, bibliotecas, ensino familiar, qualquer outro meio ou um conjunto destes.
  2. Um ENEM bem feito seria o teste para demonstrar requisitos instrucionais de cidadania (como não ser analfabeto funcional dentre outros requisitos instrucionais como legislação e finanças) e pode ser considerado como condição para partir para ensinos profissionalizantes e universitarios. Os conselhos profissionais seriam os responsáveis pelos critérios de exercício profissional. A aprovação no conselho implicaria na permissão de exercício da profissão.
  3. As universidades poderiam vender somente as disciplinas de interesse do público em vez do curso inteiro. Por que obrigar um aluno assistir aulas de incompetentes se o aprendizado vai ser adquirido na literatura e internet por esforço pessoal ou cursos extra-curriculares. As aulas de professores realmente brilhantes teriam maior valor e os verdadeiros profissionais seriam realmente valorizados (não é isso que busca a classe dos "trabalhadores em educação" - eis a solução - fim das greves no ensino público). O ensino a distância deve ser aprimorado e popularizado.
  4. Todas as escolas, universidades e faculdades devem ser municipais, pois elas ficam sempre em algum endereço num município e devem ter professores e administração privados. Ao Estado compete a concessão de bolsas de estudo, quando necessário. Toda estrutura das secretarias e ministério de educação seriam desnecessárias, o que seria uma economia monstruosa com a destinação de recursos para o efetivo aprendizado e não para sustento de uma estrutura arcaica, ineficiente e inútil.
  5. Os institutos tecnológicos seriam avaliados pela produção tecnológica em termos de patentes e empresas incubadas e o resultado disto para a sociedade.
  6. Não faz sentido ter professores como funcionários. O professor deveria ser profissional liberal. Os melhores seriam contratados pelos melhores. E quando fossem pesquisadores, o contrato seria por projeto.
Acredito que a solução pode ser aprimorada. Mas o que está posto acima é essencial e simples. Simples assim, mas pleno de bom senso.

Um comentário:

  1. Com bom senso... já começou a acontecer a liberdade de instrução e independência da escola tradicional.
    http://youtu.be/YdpWbofz8T0

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