quinta-feira, 9 de junho de 2011

Emprego, Trabalho, Remuneração, Dignidade e Sindicato

O vigésimo terceiro artigo da DUDH é, sem dúvida, aquele que necessita uma clara discussão interpretativa. Embora o texto pareça claro, é na intenção do que foi escrito que reside a obrigação em contrapartida ao direito. Além disso, fatores de ordem comportamental humana devem ser considerados para empreender praticamente o exercício pleno destes direitos na magnitude justa. Caso contrário, o direito é lido de acordo com o que vai ao encontro dos anseios particulares do leitor antes de servir a humanidade. O artigo XXIII possui quatro partes:

  1. "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.  
  2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 
  3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
  4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses".
Então, vamos por partes. O primeiro tópico trata de que toda pessoa tem direito ao trabalho.  Também tem direito a livre escolha do emprego, o que pode parecer contrário a nossa posição de serviço público obrigatório, mas de fato não é. Trata, também, da obviedade de condição justa e favorável de trabalho, mas que haja proteção contra o desemprego. 
Se formos ler de uma forma pouco reflexiva, eu tenho que ter um lugar pra trabalhar, mas que seja escolhido por mim. E o Estado deve prover um meio pra que eu não fique desempregado. É isso? É esse o meu direito humano? Então está feito. Mas há como ficar pior. Se o trabalho é um direito explícito, posso inferir que não trabalhar também seja um direito.  E a proteção contra o desemprego? Ora, que me sustentem enquanto exerço meu direito de não trabalhar. Afinal, o trabalho tem que ser uma "livre escolha", então, enquanto nenhum trabalho me agradar a ponto de escolhê-lo, o Estado deveria prover meu sustento em condições dignas e humanas, correto?
Se você concorda com o parágrafo acima, acredito que a sociedade pode parar de trabalhar nesse exato momento, pois temos que admitir essa possibilidade. Logo, teremos que arrumar um meio de nos sustentarmos sem trabalho. Possivel? Evidentemente que não. Então o trabalho não é um direito, mas um dever! Simples assim. A partir disso, podemos discutir direitos.
Não se pode discutir um direito a partir de um direito. Mas os direitos dentro dos deveres a serem cumpridos (veja o XXIX artigo da DUDH). Os seres humanos para viverem necessitam de um conjunto de produtos e serviços para tornar a sua vida digna, segura e feliz sem que interfiram na dignidade, segurança e felicidade de outrém. Estes bens ou serviços advém do trabalho humano.
Agora podemos discutir a liberdade de escolha do trabalho que é necessário. Dentre os trabalhos necessários, tenho o direito de escolher algum. Uma vez escolhido um, advém mais um dever coerente com o direito de escolha. O trabalho deve prover benefício pelo seu resultado desejado, antes de que exerça algum direito pelo exercício deste trabalho. Ou seja, deve ser feito com competência, dedicação e respeito público e humano ao recebedor do bem ou serviço resultante do trabalho ao longo de toda a cadeia processual e logística. Caso contrário, não estará exercendo seu dever e, portanto, perderá o benefício de auferir o direito como cidadão. Portanto, aquele que realizar seu trabalho com competência, dedicação e respeito público terá proteção contra o desemprego. Caso contrário deveria perder este direito por não cumprir seu dever.
Logo, a interpretação correta do primeiro item do vigésimo terceiro artigo da DUDH segundo o bom senso opõe-se terminantemente à estabilidade no emprego, e não o contrário como o senso comum poderia supor. A proteção contra o desemprego, que é muito diferente de estabilidade no emprego, deve se dar pelo resultado da competência, dedicação e respeito público e jamais por uma lei que diferencie benefícios para trabalhadores iguais.
As condições justas e favoráveis de trabalho são, com o perdão do pleonasmo, "condições" para exercer um trabalho. Tais condições estão firmemente vinculadas a preservação da saúde, da segurança e da qualidade de vida do trabalhador. Sem tais condições não pode haver o trabalho. Sem tais condições não pode haver trabalhador. Submeter-se a uma condição desfavorável de trabalho é uma escolha do trabalhador e uma falsa esperteza do empregador. O ser humano tem que aprender a dizer não a estas condições desfavoráveis e o Estado deve ter um aparato de segurança que previna e puna a ilegalidade que submeta seres humanos a condições desumanas de trabalho. Neste ponto permanece a luta constante contra a ignorância e o medo. O cidadão deve escolher trabalhar em condições humanas e denunciar as condições sub ou desumanas. E o Estado deve ser implacável na condenação de tais práticas de empregadores, a fim de estimular uma concorrência equilibrada entre as organizações que fazem a gestão profícua da Responsabilidade Social.
Resumindo, toda pessoa tem o dever de trabalhar em alguma coisa para auferir direitos de trabalhador. O objeto do seu trabalho é uma livre escolha assim como as condições a que será submetido. A proteção contra o desemprego é dada na medida de sua competente realização do trabalho. Simples assim.
O segundo tópico ressalta a condição de igualdade de remuneração para trabalhos iguais. É justo e óbvio. O que não se discute é o valor de um trabalho. Como damos valores diferentes para trabalhos diferentes, há trabalhadores com maior ou menor remuneração.
Somos cientes que vivemos numa sociedade desigual e injusta. CEO's de dierentes empresas realizam o mesmo trabalho e percebem valores diferentes. É humanamente injusto pelo texto da DUDH. Diretores financeiros realizam o mesmo trabalho em várias organizações. Mas nem todos percebem a mesma remuneração. É injusto. Operadores de máquinas, por exemplo de "centros de usinagem", realizam o mesmo trabalho em várias organizações e não recebem salário igual. É injusto. O texto da DUDH é claro que a remuneração deve ser igual para trabalhos iguais. E nestas situações poderíamos até julgar que há possíveis diferenças com alguma tentativa de justificativa para a desigualdade. Mas e o caso de jogadores de futebol. Por exemplo todos os goleiros exercem a mesmíssima função. E todos os clubes pagam a mesma remuneração? Parece que ouvi um leitor pensando, "puxa vida, no esporte, como na arte, a diferença está no talento". Então talentos diferentes justificam remunerações diferentes? Este é o critério? Será que o critério de talento vale em todos os casos, incluindo serviço público e cargos eletivos? Afinal qual é o critério de igualdade de remuneração para igual trabalho? Como definir "igual trabalho"?
"Igual trabalho" implica em comparar trabalhos e chegar a uma conclusão. Mas o critério seria comparar o requisito para uma trabalho? Ou comparar o método de execução do trabalho?  Se algum destes for o critério de comparação do trabalho, o goleiro do Luziânia deve ser remunerado de forma absolutamente  igual ao goleiro da Seleção Brasileira.
Será que o critério é comparar o resultado de um trabalho? Ou o critério é comparar a competência (talento) das pessoas que executam o trabalho? Neste caso não é "trabalho igual" mas equivalência de competência na execução e resultado do trabalho. Assim como vendedores comissionados que ganham mais quando vendem mais. Como a competência e os resultados não são mantidos constantes (e nem dependem isoladamente do trabalhador em si, mas de todo o sistema de negócio), a remuneração seria justa se fosse variável. Qualquer valor fixo seria injusto e desprovido de critério.
Então qual é a solução? Infelizmente, o trabalho é um mercado (ou ninguém nunca ouviu falar de "mercado de trabalho", "profissões do momento", etc.) e como tal os valores dos trabalhos oscilam de acordo com as necessidades da humanidade em termos de profissionais e trabalhadores em geral. Resumo, existe trabalho igual, mas nunca remuneração igual para o mesmo trabalho executado em organizações diferentes por pessoas diferentes em sistema de negócios diferentes. Mas então o texto da DUDH está errado? Não, mas mal escrito. Faltou a palavra "mínimo". Cada trabalho tem um valor que depende do mercado, mas um trabalho nunca poderá perceber menos que um valor mínimo. E este valor está associado com uma condição média de qualidade de vida que inclua - segurança, saúde, transporte, cultura, arte, lazer dentre outros fatores. Ou seja, toda pessoa tem direito à igual remuneração mínima e digna por igual trabalho. Simples assim.
No Brasil fala-se em salário minimo sem qualquer vinculação com um trabalho. Trata-se de um mero indexador e de um sistema de controle previdenciário por parte do Governo. Nada há de mais inútil, injusto e estúpido. E pior, um direito criado na era Vargas, deturpado ao longo de décadas e ainda mantido. Embora controverso, para alguns parlamentares, é valorizado como uma conquista do povo. Não é isto que propomos.
Salário mínimo é, para qualquer mente minimamente provida de algum pedaço de neurônio, o mínimo que uma pessoa pode receber em termos financeiros para satisfazer todas as necessidades a fim de assegurar plena qualidade de vida. Menos que isso não é mínimo, pois seria subexistência e, a um ser humano deve ser dado o direito de existir e usufruir plenamente de tudo que a humanidade construiu para a felicidade, resguardado o cumprimento de todos os deveres de cidadão.
Com isto convergimos ao terceiro ponto deste direito humano. Remuneração justa e satisfatória que garanta uma "existência compatível com a dignidade" para o trabalhador e sua família, e, se necessário que se acrescente "outros meios de proteção social". Lembrem-se do quarto poder, sem o qual nada se garante. Mas agora começamos a depreender o sentido real deste direito e os critérios associados. Simples assim.
E, por final, o quarto tópico trata do direito de associação que já discutimos anteriormente. Aqui, chama a atenção o direito de organizar ou associar-se a um sindicato para a "defesa dos seus interesses". Mais claro impossível. Embora tenha sido expresso no texto de outro direito, estes "interesses" não podem afetar a humanidade de ninguém que se oponha aos "meus interesses". Pois se é justo que eu defenda meus interesses, também é justo que eu respeite a defesa dos interesses dos outros. E se cada um defender seus próprios interesses e a medida da justiça for o interesse individual, a anarquia social estaria instalada na sua pior concepção. É preciso um Estado que defenda o cumprimento de leis que sejam pautadas por princípios humanos. Nenhum interesse pessoal poderia estar acima destes direitos.
Simples assim mas pleno de bom senso.

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