segunda-feira, 18 de julho de 2011

Práticas Humanas e Desumanas

Se entendermos os Direitos Humanos como critério universal para constituições de sociedades humanas daremos o primeiro passo para que a vida em geral se torne mais justa e feliz.
Porém enfrentamos a dura realidade da desigualdade. Desigualdades legais ou não, porém sempre injustas e desumanas como:
  • Direitos distintos para funcionários públicos e privados.
  • Acesso universitário privilegiado para pobres e afrodescendentes.
  • Pagamento de tributos e políticas de preços percentualmente distintos entre classes pobre, média e rica.
  • Imunidade a parlamentares e nada para a população em geral.
  • Decisões judiciais desiguais e dependentes do dinheiro investido em advogados.
  • Tratamento hospitalar distinto entre planos de saúde privados e serviço público de saúde.
  • Legislação distinta para índios e o resto da sociedade.
Estamos habituados a enxergar a sociedade com os olhos da conveniência, por isso segregamos as pessoas de acordo com o saldo da conta bancária, de acordo com a aparência, de acordo com a cor da pele, de acordo com a cultura regional, de acordo com a profissão, de acordo com a influência política, de acordo com a sanidade psicológica, de acordo com o gênero ou orientação sexual, enfim, de acordo com o que momentaneamente nos interessa diferir.
Mas em todos os casos acima estamos falando de seres humanos ou não. E esta é a única distinção cabível em uma legislação humana.
Se o primeiro critério de bom senso é a relação entre intenção e resultado, temos que entender que dificilmente temos acesso real a intenção, mesmo quando declarada. Pois o resultado factual e real é causado pela verdadeira intenção explícita ou implícita, velada ou não. Então tudo que temos que perceber é o fato em si, que é real e traz consequências construtivas, destrutivas, humanas ou desumanas. Certa vez, em uma palestra, o Frei Luiz Carlos Susin nos disse que “o erro é humano, o pecado é desumano”. É uma distinção interessante. Mas pretendo ir adiante nesta visão.
Houve um caso (veja publicação neste blog: Intenção e Resultado) em que um cidadão goiano que armou um sistema de disparo de uma arma dentro de sua casa, caso esta seja invadida, pois estava cansado de ser furtado e ameaçado em sua segurança no seu lar. Ocorreu que um meliante entrou na residência e foi alvejado no peito indo a óbito. A lei brasileira tem que processar o cidadão por homicídio doloso pois como o cidadão não estava portando a arma trataria-se de uma situação de “desigualdade”. Para ser considerada legítima defesa, a situação deveria ser “igual”. Ou seja, só é legítima defesa quando o meliante tema mesma chance de matar que o cidadão. Ou seja, é preciso que o cidadão se exponha ao risco de morrer para poder se defender. Ou seja o uso de tecnologia e inteligência é proibido pela legislação. Fico imaginando a mente brilhante que faz uma lei dessas, pessoa digna do maior repúdio, insensata e absurdamente sem critério que proteja o verdadeiro cidadão. Mas está aí o modelo para uma distinção importante.
Continuando no exemplo, com os mesmos dois personagens, porém onde o meliante tivesse sucesso, com alguns requintes de crueldade. Além de furto de bens, tivesse estuprado a filha do cidadão e com um tiro aleijado o trabalhador pelo resto de sua vida (plausível ou isto nunca aconteceu?). Um cidadão e um meliante. Se temos que considerar os dois como humanos, temos que auferir os mesmo direitos aos dois. Portanto qualquer um pode roubar, furtar, sequestrar, estuprar, matar, torturar e receberá os mesmos direitos daquele que trabalha e cuida de sua família, paga impostos e segue sua vida com amor e respeito aos demais cidadãos, afinal todos são humanos? Em contrapartida se você imagina que o tratamento aos dois não pode ser igual, qual a distinção entre os dois? Um é cidadão e o outro meliante? Quase isso.
Um é cidadão o outro é não-cidadão. Por que? Por que o cidadão é um ser humano que pratica humanidades e segue as leis. O não-cidadão pratica desumanidades e, eventualmente, não segue as leis. Este é o conceito. Esta é a distinção. A humanidade está acima da lei, por que há leis desumanas. Por exemplo, legisladores, chefes de executivo e juristas que aceitam, permitem e/ou praticam leis desumanas também são não-cidadãos, embora cumpram a lei.
Aceitar que um não-cidadão deve ser tratado com respeito a sua humanidade é um erro. O não-cidadão não respeita a humanidade do outro em alguma extensão. O que propomos é que os aparatos de segurança e os cidadão também tenham o direito de não tratá-los como humanos na justa medida.
Voltando ao exemplo, o meliante podia entrar na casa do cidadão sem autorização. Não. Mas o meliante nem chegou a roubar e nem estava armado. Ainda bem. Maior competência preventiva do cidadão. O não-cidadão morreu pela inteligência e conhecimento técnico do cidadão. Vitória da cidadania. Quando um cidadão vence temos que comemorar, cumprimentar, agraciar, festejar, premiar e agradecer. É a humanidade vencendo e a desumanidade perdendo. O que aconteceu é a eliminação de um não-cidadão que poderia prejudicar mais pessoas. Toda a sociedade ganhou com o fato.
Mas não penso que cada cidadão deva fazer uso de justiça com as próprias mãos ou através de armadilhas, o que é mais inteligente. Somente a aceito onde há total incompetência do Estado em prover tal segurança. Por isso proclamamos a necessidade do quarto poder.
Mas fique claro que uma sociedade humana privilegia seres humanos. Quem não respeita a humanidade de alguém, perde neste aspecto a sua condição de humano por sua livre escolha. Só falta alguém tentar afirmar que o meliante entrou na casa do cidadão sem escolher pela atitude desonesta. Por isso a lei deve ser clara quanto ao critério.
Numa situação litigiosa qualquer, a justiça deve identificar quais os direitos humanos envolvidos e quem foi o primeiro a romper com o direito humano do outro. Aquele que ferir primeiro um direito humano é o primeiro a abrir mão de ser tratado como humano no aspecto em questão.
Outro exemplo. Recentemente tivemos em Porto Alegre uma passeata de bicicleteiros que impediram o livre direito de ir e vir de veículos automotores. Então, numa reação desproporcional um indivíduo acabou atropelando um conjunto de manifestantes e a imagem deste fato correu o mundo e toda a imprensa e ministério público tratou de enquadrar o indivíduo visando penalizá-lo exemplarmente.
O fato é que executar uma manifestação pacífica é um direito humano. Porém essa manifestação deve respeitar o direito dos que não estão participando da manifestação. O fato é que esta manifestação dos bicicleteiros, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não poderia ter tirado o direito de ir e vir. Portanto pelo menos uma via deveria ter ficado liberada para o tráfego de outros veículos e o poder público (no caso a EPTC, empresa pública que vive das multas aplicadas indistintamente a qualquer cidadão ou não em Porto Alegre) deveria ter garantido o respeito aos direitos humanos dos não manifestantes e dos manifestantes.
Novamente foi a omissão do Estado o causador do problema. Quem deveria ter assegurado o direito humano não foi discutido em geral. Todos trataram do assunto como se fosse um problema entre o indivíduo que atropelou manifestantes e os manifestantes. Na verdade a causa raiz do problema foi novamente a omissão do Estado. Quem deveria ter respondido judicialmente pela sua incompetência em assegurar os direitos humanos das pessoas deveria ser o presidente da EPTC. Simples assim.
Então, nossas leis deveriam claramente ser escritas para deixar patente o que um “cidadão” não deve fazer, caso contrário será tratado pelo Estado ou pelos cidadão em defesa de sua cidadania como um não-cidadão.
Simples assim, mas pleno de bom senso.

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