quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Diversidade e Tolerância

O artigo segundo da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que "toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição".
Aqui, o texto não estabelece um direito, mas uma declaração de que somos capazes de auferir direitos humanos, na medida que somos humanos. O que realmente importa é que um ser humano é humano independente de qualquer forma ou critério de estratificação.
O primeiro modo de distinção citado é a "raça". Glenford Mitchell e Daniel C. Jordan em seu site (http://www.bahai.org.br/racial/Raca.htm)  descrevem que "a origem da palavra “raça” é  obscura. Alguns estudiosos entendem que a sua etimologia provém da palavra latina “radix”, que significa raiz ou tronco; enquanto outros acham que ela tem origem na palavra italiana “razza”, que significa linhagem ou criação." E continuam com a definição que “Raça tem somente um significado científico e é biologicamente única. Refere-se a uma única subdivisão das espécies conhecidas, membros de uma herança física, a qual visa distinguir-se de outras populações da mesma espécie. Apesar desta definição ser precisa tanto quanto possível, os cientistas entendem que não existem claras subdivisões na única espécie chamada homem, isto é, o homo sapiens".
Logo a palavra "raça" quando se refere a seres humanos não deveria fazer sentido algum. Na medida que aceitamos o conceito de "raça" subdividindo a humanidade, contribuímos para uma segregação absurdamente inútil.
A segregação racial trouxe terríveis consequências para a humanidade e que até os dias de hoje permanecem de modo implícito ou explícito. Em ambos os casos são lamentáveis e dignas do maior desprezo.
No entanto, há no Brasil muitas iniciativas, organizações da sociedade civil, instrumentos legais que visam acabar com esta desigualdade histórica.
O problema é que em alguns casos criam-se novas desigualdades na boa intenção de compensar erros do passado. Por exemplo, quando se busca privilegiar o acesso de afrodescendentes à universidade ou cursos técnicos via reserva de vagas ou de sistemas de pontuação acrescida, cria-se, mesmo que historicamente compensatório e de forma legal, uma injustiça pela desigualdade racial, que é sempre nefasta.
Neste ponto quero frisar que do ponto de vista do bom senso, o ingresso em organizações de ensino não deveria ser feito por teste tipo vestibular ou qualquer outra forma de discriminação na medida que um ser humano já tenha comprovado sua competência escolar de modo suficiente. Por isso, criar uma lei discriminatória para privilegiar ingresso de pessoas em redes de ensino é uma ação que não atua na causa do problema e da discriminação em si. O critério e a forma de ingresso nas universidades, escolas técnicas e outras instituições de ensino está errado e de forma alguma deveria basear-se na condição momentânea de acúmulo de conhecimentos das pessoas. Aceitemos o fato que se alguém quer estudar é por que não sabe. Se soubesse não precisava estudar. Por que o critério de seleção teria que ser relacionado com a nossa condição momentânea de aprendizado, considerando que já fomos aprovados nas necessárias etapas de ensino? O fato é que todos deveriam ter o direito do acesso pelo simples fato de que concluíram com êxito a etapa anterior.
Do ponto de vista do bom senso e resumindo, no Brasil, todo aquele ser humano que concluiu o ensino médio deveria poder fazer o curso universitário que bem entendesse. Então você apenas deveria escolher a sua universidade e entrar nela. Simples assim. O concurso vestibular é discriminatório por que pressupõe que só os mais "inteligentes" no dia do teste podem ter acesso ao curso universitário. Se aceitarmos o concurso como critério, o curso de ensino médio no qual somos aprovados não tem valor algum. Então deveríamos dispensar a necessidade de testes no ensino médio não é?
Não podemos criar um problema discriminatório para resolver uma discriminação. Temos que acabar com a discriminação.
Certa vez, houve em uma instituição de ensino uma discussão sobre os critérios de seleção que deveriam ser definidos para ingresso nesta instituição. Os professores envolvidos na discussão cogitaram reservar um conjunto de vagas para egressos do ensino público (o que já é uma discriminação pressupondo que estes seriam menos inteligentes e que o ensino público seria mais incompetente) que seriam distribuídas por sorteio dentre os inscritos. Então alguém disse que neste caso devería-se também reservar uma parte destas vagas para afrodescendentes. Então outro professor comentou sarcasticamente em voz alta: "Então temos que aceitar que os afrodescendentes além de serem considerados menos preparados no ensino também são mais azarados?". Sem dúvida é uma discussão absurda e sem sentido. Não discutiu-se a raiz do problema - todos podem estudar, logo, todos têm a capacidade de auferir direitos. O que não há é vaga para todos estudarem. É aí que está a causa do problema e é onde todos os governos devem atuar, pois é a verdadeira solução nesta questão. Há incompetência governamental de oferecer oportunidades de ensino para todos que a desejam.
Então alguém poderia perguntar: E se todos quisessem fazer medicina? Como ficariam as outras profissões necessárias? Eu responderia que teríamos um conjunto grande de pessoas que realizaram uma formação em medicina. Seriam médicos competentes? A atuação destes no mercado de trabalho iria certamente confirmar quem são os verdadeiramente competentes. E as demais profissões seriam mais valorizadas no mercado de trabalho. A sociedade sabe muito bem como regular estas questões naturalmente. Aqui mais uma nota do bom senso. A avaliação de quem é o melhor não deve se dar antes da formação. Mas na real condução de sua profissão veremos quem é realmente o melhor. E os pacientes ou clientes saberão escolher e valorizar estes, independentemente de qualquer condição de nascimento, hereditariedade, escola onde estudou, cor de pele ou qualquer aspecto esdrúxulo de distinção entre os seres humanos. É na vida prática que o valor se manifesta. Nunca na potencialidade hipotética e presunçosa.
Mas retornarei a discussão dos sistemas de ensino em futuras publicações. O que importa aqui é o respeito a diversidade e a pluralidade e que seres humanos sejam simplesmente seres humanos. Nos exemplos acima poderia substituir a palavra afrodescendente por mulher, homossexual, estrangeiro, pobre, comunista, liberal, católico, luterano, budista ou qualquer outra denotação estratificada para algum tipo de ser humano. O que importa é a forma como encaramos a ideia da diversidade e como a legislação de um país deve ser construída para efetivamente respeitar a ideia da integralidade da humanidade e da igualdade de direitos para todos.
O mais engraçado é que percebo pessoas que raciocinam a partir do próprio interesse e buscam justificativas nos Direitos Humanos. Então se eu pertencesse a um grupo que passasse a receber algum tipo de privilégio, mesmo que seja depois de anos de repressão ou descaso, passo a pensar e argumentar que trata-se de justiça e que vai fazer um bem para a sociedade, quando na verdade vai auferir vantagens somente para "meu grupo de interesse". Sem dúvida este comportamento é lamentável por que é essencialmente preconceituoso e desigual. E isso me lembra a seguinte frase: "Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive". Perdoe-me o autor da mesma por não sabê-lo. Mas agradeço por esta fantástica verdade comportamental.
E toda vez que um grupo de pessoas percebe que outro tem mais direitos em algum aspecto, temos o fermento básico da intolerância.
Tolerância é antes de um conceito, ou de assunto escolar, é uma prática. Quanto mais praticarmos a tolerância mais humanos nos tornamos. O diferente é belo e confere riqueza a pensamentos e comportamentos. Aceitar estas diferenças que não nos aumentam ou diminuem como humanos é exercer nossa humanidade em plenitude.
Enfim, seres humanos são plenamente e somente humanos. E anseiam por uma vida em que tenham condições de ser felizes desde que esta não atrapalhe a felicidade dos outros. Não há como ser plenamente feliz sozinho. E não é possível mudar os outros, embora possamos desejá-lo. Só temos o poder de mudar a nós mesmos. Isso se aceitarmos com bom senso as evidências que sustentam tais mudanças com base em fundamentos e princípios verdadeiramente humanos.
E todos seres humanos que querem estudar, devem ter a oportunidade de estudar. Todos que querem trabalhar devem ter a oportunidade de obter o conhecimento e a habilidade necessários para exercer a sua vontade. E isto é obrigação de todos os governos, não uma tentativa, um projeto, um investimento, uma busca de avanço, um talvez. E que cada um cuide bem de sua própria vida que é um presente. Talvez não tenhamos outra chance de vivê-la, embora possamos crer nesta possibilidade.
Simples assim, mas pleno de bom senso.

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