terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Proteção da Lei e Interesses

Não há na sociedade brasileira, uma única legislação que assegure a igualdade de tratamento entre os seres humanos. Nossa legislação contraria amplamente, do ponto de vista da vida real, da prática, o artigo sétimo da DUDH que descreve que "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação".
Basta ver a diferença de tratamento entre quem tem condições de pagar advogados e de quem não tem. Basta ver como o notório traficante Luiz Fernando da Costa, vulgo Fernandinho Beira-mar é protegido em relação a qualquer sistema de proteção que é envidado a qualquer cidadão comum. Basta ver as consequências nefastas à sociedade que o estabelecimento de imunidades parlamentares estabelece. Imunidade para que? Em termos humanos qual diferença de um parlamentar para o cidadão comum? Conselhos profissionais e sindicatos lutam por estabelecer diferenças entre trabalhadores, como pisos salariais, tratamento penitenciário distinto, horas de trabalho, controles de frequência eletrônico, períodos de férias e recessos, licenças, benefícios e outras? Com que interesse?
É ultrajante perceber que fingimos que tratamos as pessoas com igualdade perante a lei. Pois o caminho contrário não é válido. As leis são construídas com base no princípio da igualdade? Eu posso afirmar que não. É só ler.
O que se faz é criar leis com direitos e deveres distintos para distinguir pessoas. Um governador tem direitos distintos de um parlamentar que tem direitos distintos de um servidor público que tem direitos distintos de um servidor privado que tem direitos distintos de outros seres humanos. Os negros e pardos tem direitos distintos de brancos e amarelos que tem direitos distintos dos índios que tem direitos distintos de outras pessoas. As pessoas jurídicas prestadoras de serviços têm direitos distintos de empresas produtoras de bens. Enfim, não há igualdade na sociedade que vivemos por que a lei não é construída respeitando esse princípio.
E o pior. As pessoas acima também não são obrigadas a cumprir deveres no mínimo proporcionais aos direitos, aumentando a injustiça.
E os membros do poder judiciário? Todo juiz de direito que comete um delito é tratado do mesmo jeito que o cidadão comum? Alguém teria a coragem de dizer que sim?
Note que comento sobre a realidade brasileira que é a que vivo. Mas não entendo que outras sociedades de outros países sejam muito melhores.
Um outro exemplo interessante é o processo de canonização da igreja católica. Não seria razoável esperar que os santos fossem distribuídos universalmente? Mas então por que o número de santos europeus e principalmente italianos é maior que os do Brasil, por exemplo? Por que lá as pessoas são mais santas em geral ou por que lá o trabalho burocrático do processo de canonização se torna mais fácil pela proximidade com os agentes da burocracia católica para beatificação e canonização? É fácil essa resposta.
A falta de bom senso se estabelece em função de interesses. Quando esses interesses vencem, constrói-se uma injustiça. Nossa legislação não é construída com base em princípios e critérios, mas em interesses. Pois quem faz a lei, o faz para atender um bando de interessados em algo mediante uma lógica de mútuos interesses legítimos.
Todo interesse é legítimo. Vejam como seria “bacana” se criássemos uma lei para destinar um por cento da arrecadação (a arrecadação do ano de 2010 foi da ordem de 1,2 trilhões de reais ou 700 bilhões de dólares) para somente a sua conta bancária, caro leitor, a fim de assegurar legitimamente a manutenção de sua vida e de seus familiares de forma digna, sem atribulações e, principalmente legal. Que tal? Não seria legítimo? Não seria legal? Seria injusto e imoral? Claro que sim, mas será que você e seus familiares teriam essa opinião? Mesmo que você não aceite, encontraríamos alguém que aceite e considere justo? É isto que quero afirmar sobre a forma como nossas leis são feitas. Temos que trocar o legítimo interesse que sempre é desigual por um critério de igualdade e justiça na prática do bom senso.
E quando a lei for construída com base em princípios e critérios, e não em interesses de grupos, indivíduos ou seções da estratificação esdrúxula da sociedade humana, teremos condições de oferecer a proteção necessária e coerente aos seres humanos iguais nesta humanidade. E teremos equivalentemente o braço das forças de segurança que de forma preditiva, preventiva, proativa e, se necessário, corretiva, vão assegurar que cada cidadão possa usufruir da vida que recebeu com toda a dignidade, respeito e felicidade. E que saibamos proteger os verdadeiros cidadãos daqueles que optarem por uma conduta desumana, os quais perderão coerentemente o direito de cidadão na medida de seu afastamento da humanidade.
O mais engraçado é ouvir discursos inflamados que dizem que os desonestos, assassinos, estelionatários, estupradores, pedófilos, traficantes ou outros desumanos desprezíveis são frutos da própria sociedade. Eu como membro desta sociedade repudio veementemente tal afirmação. E mais, vivi a maior parte da minha juventude numa família pobre. E nunca vi meus pais tirarem alguma coisa que não fosse fruto do seu trabalho honesto. E nunca fui estimulado e agraciado por enganar alguém ou tomar para mim o que não me pertence por direito e justiça.
Mesmo por motivo de doença, que quando tem potencial impacto social adverso, deveríamos ter uma solução de afastamento legal a fim de proteger o verdadeiro cidadão. Também nesta situação, o doente deveria ter uma responsabilidade sobre ele, caso não seja do Estado. Se um familiar optar por tratar seu doente junto a si, passa a ser responsável por ele e por suas atitudes também. O que não pode haver na sociedade é a irresponsabilidade que leva a impunidade.
Mas nossas leis não são construídas nessas bases, infelizmente. E o Estado exige um monte de deveres, mas repassa poucos direitos proporcionalmente, mesmo sobre questões de sua responsabilidade legal, como a segurança pública. E esta é a maior injustiça que conheço de nossa sociedade. O Estado é responsável pela segurança, mas se você for assaltado ou furtado, quem deve repor seu prejuízo? O Estado? Se seu carro for destruído pela insegurança de nossas precárias vias públicas, quem deve repor seu prejuízo? O Estado? Se a pessoa responsável pelo sustento financeiro de sua família for assassinado, quem vai prover tal sustento? O Estado? Se o banco de dados de sua empresa for danificado por um vírus de computador, quem vai reparar este prejuízo? O Estado? E mesmo diante de um processo judicial o Estado seja condenado a cumprir com sua responsabilidade, em quanto tempo e de que forma é feita a reposição do prejuízo? Imediatamente após a ocorrência do mesmo? É um depósito em dinheiro na conta corrente do prejudicado em menos de oito horas (tempo mais que suficiente para fazer um depósito)? Você conhece a realidade e sabe a resposta.
Neste momento estamos vivendo sob o impacto da maior tragédia natural ocorrida no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, onde milhares de pessoas foram atingidas com a perda da vida de familiares, com a perda de seu patrimônio, com a perda de sua paz e com a perda de sua mínima segurança. Muitas destas pessoas viviam em áreas notória e geologicamente caracterizadas como áreas de risco de desabamentos. Fica também a pergunta: quem é responsável por autorizar o habite-se de um imóvel? Quem é responsável por permitir que alguém more em algum lugar? O Estado? E agora qual é resposta do Estado? Com certeza não será devolver todo o prejuízo para as pessoas, embora fosse o correto e justo se a responsabilidade do Estado fosse real. Uma das ações para amenizar as consequências do problema foi autorizar o saque do Fundo de Garantia até um limite da ordem de quatro mil reais. Isso é pior do que uma piada. O Fundo de Garantia é dinheiro do trabalhador que é manipulado pelo Estado, onde somos obrigados a contribuir enquanto trabalhadores privados formais. Mesmo sendo um valor que não resolve, afinal como se compra um terreno e uma casa com quatro mil reais no Brasil? Pior é o Governo fazendo assistencialismo com o dinheiro que não é dele mas do trabalhador. E esta ação só ajuda uma parte dos seres humanos trabalhadores. E os funcionários públicos que não têm fundo de garantia e os trabalhadores informais? Os aparatos de segurança são incompetentes para impedir o trabalho informal que é ilegal. Então permite-se que existam e façam transações sem Nota Fiscal. E agora, nesta situação quem ajuda esta gente? O Estado? Pense o que ocorre na prática e o que deveria ocorrer se o Estado fosse realmente "responsável" pela segurança. Isto é o que o bom senso quer nos propor.
No momento certo, sem politicagem, o Estado deveria ter dito não para evitar que pessoas morassem em locais perigosos, assim como deve dizer não ao comércio informal, assim como deve dizer não para atuação de flanelinhas, cambistas, doações em dinheiro sem documento fiscal dentre outras situações inapropriadas e muitas vezes ilegais. O Estado tem que impor limites. E este limite explícito na lei, baseada numa lógica verdadeiramente humana que efetivamente proteja os seres humanos e sua humanidade. E que os responsáveis por tal proteção o sejam integralmente, do início ao fim. Senão a responsabilidade só vai até onde o interesse particular, partidário (partido é parte não é todo) ou sectário permite.
É uma pena ser constrangido a viver numa sociedade assim, mas quem sabe não temos aqui a chance de reconstruir um novo modelo mental com base no bom senso e que propicie o bem para todo ser verdadeiramente humano. É o que desejo com cada palavra deste blog. Simples assim, mas pleno de bom senso.

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